Reflexões de um filósofo sobre a polarização política
Wilson Gomes, filósofo e professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é conhecido por suas análises profundas sobre comunicação política e democracia digital. No seu livro mais recente, “A tirania da Virtude”, ele aborda a política identitária, a qual considera autoritária, refletindo sobre a cultura do cancelamento e a regulamentação das redes sociais. Em entrevista, Gomes aponta o radicalismo e a intolerância ao contraditório como sintomas preocupantes da polarização política.
O filósofo, que se declara progressista, não hesita em criticar as contradições dentro do próprio campo político. Ele argumenta que a radicalização das posições dificulta o diálogo e a construção de um projeto de país sustentável, afirmando que a democracia não prospera em meio a bolhas fechadas e hostis. “Quando a sociedade se fragmenta em grupos hipercoesos, a convivência se torna insustentável”, destaca Gomes.
A intolerância e seu impacto no debate público
A polarização extrema gera um cenário em que a maioria da população não se sente representada. Gomes aponta que, atualmente, 40% dos cidadãos acreditam que a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro foi injusta, um dado que o surpreende e preocupa. “Com tantos fundamentos para a prisão, essa resistência é alarmante”, comenta. Esse fenômeno, segundo o filósofo, ocorre em partes porque grupos minoritários, embora socialmente pequenos, dominam a voz pública e conseguem influenciar a agenda por meio da articulação e da presença nas redes sociais e na mídia.
“Temos cerca de 11% a 12% da população nos extremos políticos, mas esse grupo tem uma capacidade desproporcional de se fazer ouvir”, explica. Ele cita o exemplo do PSOL, que, apesar de ter uma bancada pequena, consegue impactar o debate político de forma significativa. De acordo com Gomes, essa dinâmica contribui para a dificuldade de um projeto de centro se consolidar, já que a polarização esvazia as possibilidades de negociação e construção de consensos.
A crítica aos grupos fechados e a necessidade de diálogo
Para Gomes, essa reação de hostilidade a vozes discordantes é uma característica de uma política tribal que impede qualquer diálogo produtivo. “Se um conservador se abre para pautas progressistas, é visto como traidor”, observa. O filósofo enfatiza que a solução para a polarização não é a radicalização, mas sim a construção de pontes e a disposição para escutar o outro lado.
Em sua obra, Gomes critica o identitarismo, que considera uma forma moderna de autoritarismo que não tolera divergências. Ele acredita que o cancelamento, em particular, é uma maneira de silenciar pessoas com ideias diferentes, afirmando que “não é a opinião que é cancelada, mas a própria pessoa, que pode perder até o emprego”. Essa prática, segundo o filósofo, se torna uma forma sádica de incapacitar indivíduos, prejudicando a diversidade de pensamentos na sociedade.
O dilema da repreensão e as questões sociais
Quando questionado sobre declarações ofensivas ou preconceituosas, Gomes reconhece a necessidade de repreensão, mas alerta para o perigo de transformar divergências normais em questões legais. Ele menciona um caso em que uma estudante foi presa por se opor à presença de uma pessoa não binária em um banheiro feminino. “Estamos chamando a polícia para resolver questões sociais que deveriam ser discutidas de forma civilizada”, critica.
Para ele, essa abordagem não apenas distorce o debate, mas também perpetua preconceitos. Gomes defende que os avanços dos direitos das minorias não surgiram unicamente da lógica identitária, mas de uma luta universal por igualdade e respeito. Ele menciona figuras históricas como Mandela e Martin Luther King, que, segundo ele, lutaram por uma visão mais inclusiva da sociedade, livre de divisões identitárias.
Regulação das redes sociais e o futuro do debate público
Sobre a regulação das redes sociais, Gomes acredita que o desafio reside em encontrar um equilíbrio que não limite a liberdade de expressão. Ele vê a regulação como uma tentativa de evitar que vozes extremas dominem o debate, mas ressalta que a maioria dos legisladores atualmente eleitos depende desse ecossistema midiático, muitas vezes marcado por desinformação. “Soluções consensuais, como o combate a fraudes e a proteção de crianças e adolescentes, são pautas que poderiam ser mais discutidas”, sugere.
Como consequência da polarização, Gomes alerta que o futuro do debate público requer um novo olhar e um esforço ativo para restaurar a conversa civilizada. “Precisamos de mais pessoas dispostas a sair das suas zonas de conforto e a apresentar as questões de forma honesta”, conclui. O filósofo, assim, instiga uma reflexão profunda sobre o futuro da democracia e a importância da tolerância no espaço público.

